conheci o Joaquim no Pinguim...mas era na rua que se revelava...para além do poeta, havia um grande contador de histórias...veridicas ou não, ele relatava-as como se as tivesse vivido...era sempre a personagem principal...grande cultura,grande imaginação...há uma versão da história mundial...e há a versão do Joaquim...foi assim que nos habituou...a colorir a vida, por muito cinzenta que ela fosse...
Desculpa lá inundar-te a caixa de comentários. Quanto ao teu pedido para enviar as fotos, se me derem um endereço ou email, eu envio-as com o maior prazer. Um abraço.
Guardo-me no baú das memórias mais superfície quando recordo o vozeirão do Joaquim a mandar calar os dentes das gentes porque se seguia a poesia, quando não era canção. Dizia-se a poesia com a naturalidade que cabe à poesia. Logo dizia-se, como disse, poesia. E a poesia que se passeava pelo Joaquim logo parava nas nossas costas como se fossem crostas tumescentes que bebem copos enquanto ouvem poesia. Tal como a nêspera. Os poetas tinham voz árvore e olhos lobo e rasgos de eloquência que trocavam de bom grado por um pacote de loucura eloquente. Os poetas saíam dos livros e das bocas que assim se esvaziavam na Cordoaria. A poesia. Era ela que se dizia. A própria. Até à saliva. E se o Joaquim achava que o espectáculo a certa altura virara circense com a chegada dos surfistas da Foz à procura da mulher barbuda, mandava-os para o caralho! Nós achávamos bem, porque no Porto, para o caralho é um bom sítio. E o Joaquim sorria com os olhos de mocho empertigado quando os mandava para o caralho que ali a poesia era caralhante. Era mesmo, Joaquim! Obrigado, foda-se! Vai para o caralho!
Ouvi-o algumas noites no Pinguim. Vi-o algumas vezes. Uma única vez comi ao lado dele e troquei com ele algumas palavras. Foi em Abril, na festa dedicada à comemoração do 25 de Abril. Tinha ouvido já várias histórias sobre o seu carácter impulsivo e, por vezes, rude. Naquela noite, porém, um homem calado, apagado, doce na sua fragilidade estava a comer silencioso ao meu lado. Parecia um homem tímido até. Quando o ouvi a declamar o poema "Soneto Presente" de Ary dos Santos, fiquei surpreendida. Era como se uma chama que pensávamos extinta se elevasse das cinzas. Causou-me uma forte impressão. Naquela noite tinha sentido a morte a rodear aquele homem ao jantar e naquele momento senti o quanto a vida dentro dele dizia NÃO a essa inevitabilidade. Como o disse, não éramos amigos, mas poesia que tinha dentro de si tocou-me naquele momento.
9 comentários:
Contigo aprendi que a vida pode ser contada e cantada.A vida ficou mais rica quando te conheci e mais pobre com tua ausência.
Como eram enriquecedoras as noites do Pinguim. Como eu cresci por lá.
Entretanto procurei nos meus arquivos imagens das noites do Pinguim. Aparece para ver. Se te apetecer, claro.
conheci o Joaquim no Pinguim...mas era na rua que se revelava...para além do poeta, havia um grande contador de histórias...veridicas ou não, ele relatava-as como se as tivesse vivido...era sempre a personagem principal...grande cultura,grande imaginação...há uma versão da história mundial...e há a versão do Joaquim...foi assim que nos habituou...a colorir a vida, por muito cinzenta que ela fosse...
... é sempre triste quando uma voz de poeta se cala...
Desculpa lá inundar-te a caixa de comentários. Quanto ao teu pedido para enviar as fotos, se me derem um endereço ou email, eu envio-as com o maior prazer.
Um abraço.
Guardo-me no baú das memórias mais superfície quando recordo o vozeirão do Joaquim a mandar calar os dentes das gentes porque se seguia a poesia, quando não era canção.
Dizia-se a poesia com a naturalidade que cabe à poesia. Logo dizia-se, como disse, poesia.
E a poesia que se passeava pelo Joaquim logo parava nas nossas costas como se fossem crostas tumescentes que bebem copos enquanto ouvem poesia. Tal como a nêspera.
Os poetas tinham voz árvore e olhos lobo e rasgos de eloquência que trocavam de bom grado por um pacote de loucura eloquente. Os poetas saíam dos livros e das bocas que assim se esvaziavam na Cordoaria.
A poesia. Era ela que se dizia. A própria. Até à saliva.
E se o Joaquim achava que o espectáculo a certa altura virara circense com a chegada dos surfistas da Foz à procura da mulher barbuda, mandava-os para o caralho!
Nós achávamos bem, porque no Porto, para o caralho é um bom sítio.
E o Joaquim sorria com os olhos de mocho empertigado quando os mandava para o caralho que ali a poesia era caralhante.
Era mesmo, Joaquim!
Obrigado, foda-se! Vai para o caralho!
Miguel Mansilha
Ouvi-o algumas noites no Pinguim.
Vi-o algumas vezes.
Uma única vez comi ao lado dele e troquei com ele algumas palavras. Foi em Abril, na festa dedicada à comemoração do 25 de Abril. Tinha ouvido já várias histórias sobre o seu carácter impulsivo e, por vezes, rude. Naquela noite, porém, um homem calado, apagado, doce na sua fragilidade estava a comer silencioso ao meu lado. Parecia um homem tímido até.
Quando o ouvi a declamar o poema "Soneto Presente" de Ary dos Santos, fiquei surpreendida. Era como se uma chama que pensávamos extinta se elevasse das cinzas. Causou-me uma forte impressão. Naquela noite tinha sentido a morte a rodear aquele homem ao jantar e naquele momento senti o quanto a vida dentro dele dizia NÃO a essa inevitabilidade.
Como o disse, não éramos amigos, mas poesia que tinha dentro de si tocou-me naquele momento.
Nunca Adeus...
Trabalho para casa: Levar-te comigo.
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