sábado, 30 de outubro de 2010

Há um sorriso a menos...

A vida vai-nos ensinando que ninguém é imprescindível. Mas esta não é uma verdade absoluta. A vida continua sem os que demasiado cedo partiram, mas deixa de ser a mesma. Passa a ser outra… mais vazia.
Não escrevemos sobre todos os que nos marcaram e nos deixaram.
Acho que nunca escrevi uma linha sobre o meu pai. Era demasiado íntimo, demasiado pessoal. Tão demasiado que nem eu percebo a dimensão da sua influência em mim.

Perante a morte “não há palavras”, como dizia o Fernando Pessoa, mas estas ajudam a libertar-nos, não porque nos queiramos libertar, mas porque há uma sensação de injustiça perante a morte de certas pessoas.
E as palavras são a vã esperança da homenagem justa. Mas não há homenagens justas, falta sempre qualquer coisa, não chega dizer, expressar, escrever. Ele já cá não está e nada fará com que volte. Mas haverá sempre a chama do amor dos que o amaram e isso é qualquer coisa. É pouco, mas é qualquer coisa. É talvez o possível ante a impossibilidade.

O João Paulo Seara Cardoso criou para mim a melhor companhia de teatro portuguesa e dentro das marionetas era das melhores do mundo. Mesmo quando eu não gostava de alguns espectáculos era inegável a qualidade. O amor que tenho pelo Teatro de Marionetas do Porto permitiu-me sempre falar com o coração, porque para mim nunca foi possível falar de outra maneira. O João Paulo fez o espectáculo da minha vida, o “Miséria” que tive a oportunidade de ver 12 vezes e o triste é não poder voltar a ver. Não poder partilhar com mais amigos. Mas é tão boa a recordação da sua voz no fim de cada espectáculo “Outra vez, Rui?” ou quando nos encontrávamos ao acaso num bar “Tu foste ver isso tudo? Tenho que te dar um cartão vitalício do Teatro de Marionetas”.
O sorriso sincero nos encontros ocasionais, o elástico nos dedos quando foi meu professor, o humor e boa disposição constante.

O João Paulo era admirável tanto como artista, tanto como homem. E isto é extraordinário.

Não éramos amigos íntimos, mas havia aquele sincero gostar. Mas sobretudo…

É muito duro ver partir quem tanto nos fez sonhar!